Boas práticas e ética profissional

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A tradução e a interpretação, como profissões, não são regulamentadas e o tradutor autônomo normalmente trabalha por conta própria. Contudo, isso não significa que se está distante de questões éticas com as quais é importante se preocupar. A ética diz respeito ao comportamento humano, levando em conta questões referentes à moralidade, respeito e responsabilidade no âmbito pessoal e profissional.

O princípio ético clássico - o imperativo categórico - é o de se pôr no lugar da outra parte da interação e imaginar o que você sentiria, ou imaginar o que aconteceria se todo mundo agisse exatamente igual a você ao tomar uma decisão. Embora a ética profissional seja bem mais complexa do que isso, a aplicação do imperativo categórico é suficiente para tomar muitas decisões éticas em situações que possam ser delicadas.

Uma boa maneira para se identificar o tipo de preocupação ética que devemos ter é considerar quem é afetado por nosso trabalho - os stakeholders, ou as "partes interessadas". A base da ética são os relacionamentos humanos, e é daí que podemos começar. Sendo assim, as questões éticas que um tradutor autônomo precisa considerar envolvem principalmente os aspectos listados a seguir.

Relacionamento com o cliente[editar | editar código-fonte]

Transparência[editar | editar código-fonte]

É fundamental ser transparente com relação à capacitação do tradutor/intérprete, suas áreas de especialização, as ferramentas que domina e diversas outras questões, para que o cliente saiba o que esperar e o prestador de serviço trabalhe com autonomia e confiança.

Ao se receber uma proposta, é preciso combinar todos os detalhes de cada serviço, sem fazer suposições sobre o que deve ser feito ou como cada um dos envolvidos trabalhará. Mesmo detalhes aparentemente básicos, como as línguas envolvidas, devem ser explicitados para evitar desentendimentos.

A menos que o profissional contratado seja o sócio ou gerente de projetos de uma agência de traduções, a pressuposição é de que é esse profissional que prestará o serviço, sem terceirizá-lo. Se, por qualquer razão, o profissional que tem contato direto com o cliente não puder realizar o serviço pessoalmente e optar por repassá-lo a outro colega, é uma boa prática informar isso ao cliente. Em geral, entende-se que quem mantém o contato com o cliente e fatura o serviço também assume a responsabilidade pela sua qualidade, mesmo que outra pessoa tenha feito a tradução.

Também é importante ser transparente com relação às estimativas de valores e prazos. Ainda que muitas vezes o cliente não faça questão de saber todos os detalhes de como se chegou a um orçamento final, caso isso seja pedido o tradutor/intérprete deve explicar os valores-base que utiliza, se há alguma cobrança adicional (p.ex. por revisão linguística ou técnica, ou taxa de urgência) e, se for o caso, ser transparente ao negociar. Também pode ser necessário justificar a estimativa de prazo, citando a produtividade ou disponibilidade diária, detalhes do serviço pedido que possam aumentar ou reduzir a produtividade, entre outros.

Competência[editar | editar código-fonte]

É importante que o tradutor tenha conhecimento linguístico e/ou especializado do material a ser traduzido e, nesse sentido, deve recusar trabalho que não seja de sua competência linguística ou por falta de conhecimento especializado, e deve ser transparente no que diz respeito a sua capacitação (ver item Transparência acima). No caso de o tradutor aceitar um trabalho fora de sua competência, é importante que o cliente esteja ciente do risco de se ter o material traduzido por um profissional sem a competência ou especialização necessária.

Responsabilidades[editar | editar código-fonte]

É altamente recomendável relatar de forma explícita - de preferência por escrito - as responsabilidades tanto do prestador de serviço quanto do cliente. Defina formalmente o escopo da sua tarefa como tradutor/intérprete e solicite uma confirmação desse escopo por parte do cliente. Assim, é possível garantir que ele compreende exatamente o que se espera de você como profissional.

Caso seja necessário envolver outros profissionais, tais como revisor linguístico ou técnico, um falante nativo de outro idioma ou um especialista em algum aspecto técnico (por exemplo, editoração, tradução audiovisual, alguma modalidade específica de interpretação, etc.), é importante explicitar quem será responsável por contratar e assegurar a qualidade desses outros profissionais, além de remunerá-los.

O cliente também tem suas obrigações para propiciar as melhores condições de trabalho e, assim, ajudar a garantir o melhor resultado. Muitas vezes, por falta de conhecimento ou experiência do cliente com a área de tradução, cabe aos tradutores/intérpretes explicar e determinar tais condições de trabalho: materiais finalizados e com boa qualidade, materiais de referência ou apoio, abertura ou contato para esclarecimentos durante o trabalho, etc.

Sigilo[editar | editar código-fonte]

Mesmo que não seja pedido, deve ser sempre levado em conta. Jamais se deve compartilhar materiais fornecidos pelo cliente sem autorização prévia. Se o projeto é realizado em equipe, o sigilo estende-se à equipe toda (isto é, revisor, QA, supervisor/gerente de projeto, etc.)

Imparcialidade[editar | editar código-fonte]

Agir com imparcialidade ao traduzir, ou seja, não tentar influenciar o texto/discurso, suavizando, omitindo ou alterando mensagens para refletir sua própria opinião. Se for difícil manter a imparcialidade, o tradutor não deve aceitar o trabalho ou deve retirar-se do projeto caso já em andamento. Inclui também conflitos de interesse, por exemplo, projetos de conhecidos ou familiares ou que possam ter alguma relação com eles e que não deixem o tradutor manter-se imparcial ou guardar sigilo.

Relacionamento com o usuário ou destinatário[editar | editar código-fonte]

Conhecer o uso ou a função do material traduzido[editar | editar código-fonte]

Infelizmente, pelos mais diversos motivos, nem sempre o tradutor recebe do cliente todas as informações que julga necessárias para sentir-se seguro ao assumir um trabalho. Ainda assim, muitos profissionais optam por aceitar o trabalho e realizar pesquisas independentes, em busca de qualquer informação complementar que contribua para uma tradução que atenda aos requisitos de qualidade e satisfação do público-alvo.

Uma das práticas mais recomendadas na tradução é a busca incessante pelo máximo possível de informações sobre o material a ser traduzido. No setor de localização de software, por exemplo, é essencial saber quais são os objetivos do cliente ao desenvolver um software para um mercado específico e, se possível, ter acesso ao software em questão antes mesmo de começar a traduzi-lo. Com isso, o tradutor assume a posição de usuário final e se sente mais seguro para dar início ao trabalho.

O mesmo pensamento pode ser aplicado também à tradução editorial. Antes de começar a trabalhar em um livro, é necessário saber o gênero (drama, comédia, terror, autoajuda etc.), além de ter ao menos uma noção sobre o tema e até mesmo fazer uma pesquisa detalhada sobre a vida do autor (homem, mulher, idoso, jovem, casado, solteiro, com/sem filhos etc.). Todas essas informações são mais do que necessárias para "ambientar" o tradutor, e funcionam como um parâmetro do tipo de trabalho que ele está prestes a traduzir.

Portanto, o profissional de tradução não deve medir esforços para extrair todas as informações possíveis do cliente/contratante. Ao traduzir marketing, é necessário procurar conhecer o produto que o texto pretende divulgar; ao traduzir um software, deve-se solicitar uma licença de acesso ao cliente; ao traduzir uma obra literária, conhecer a proposta do autor e o público ao qual a obra se destina será de grande ajuda. Nem sempre todas essas informações estarão disponíveis, mas espera-se que o bom profissional tenha muita dedicação e empenho para fazer uma avaliação prévia do material a ser trabalhado.

Relacionamento com os colegas[editar | editar código-fonte]

Respeito e solidariedade[editar | editar código-fonte]

Os conceitos de respeito e solidariedade devem ser aplicados sempre a qualquer profissão e ramo de atividade. Levar esses conceitos em consideração ao lidar com os colegas, buscando sempre oferecer ajuda de modo a apoiar os interesses da profissão (e não somente os interesses pessoais), só tem a contribuir para o crescimento de qualquer bom profissional.

Além disso, ter atitudes solidárias e respeitosas é uma forma excelente de mostrar-se disponível e preparado para ajudar, atuando de maneira ativa em situações de crise. Um profissional solícito e disposto a colaborar com o desenvolvimento dos colegas tem grandes chances de se tornar referência de qualidade e boas práticas em seu meio de atuação.

É importante ter cuidado com críticas públicas feitas ao trabalho de outros tradutores. A imagem profissional e a pessoal muitas vezes se confundem, e uma crítica desmedida, grosseira ou infundada pode denegrir a imagem pessoal do colega. É claro que o resultado de qualquer serviço pode ser avaliado ou criticado de forma positiva ou negativa, mas isso deve ser feito nos canais adequados e com uma abordagem e linguagem que procure ser objetiva e, de preferência, construtiva. Nas redes sociais, é muito fácil espalhar críticas agressivas que podem acabar gerando bate-bocas e retaliações - o resultado é frequentemente muito prejudicial para todos os envolvidos.

Respeito às boas práticas do mercado[editar | editar código-fonte]

Todas as boas práticas que se aplicam ao nosso relacionamento com clientes e destinatários dos serviços valem também para o nosso relacionamento com colegas, sejam desconhecidos ou parceiros próximos. Nós devemos ser os primeiros a respeitar os princípios éticos de responsabilidade, transparência, capacitação e honestidade, entre outros, para podermos motivar e esperar o mesmo dos demais. E, naturalmente, não devemos incentivar os colegas a agirem de forma antiética sob pretexto algum, inclusive a justificativa de que "todos fazem isso".

Gerenciamento adequado do projeto[editar | editar código-fonte]

É fundamental conhecer as boas práticas relacionadas ao gerenciamento de projetos de tradução e interpretação e ao gerenciamento de riscos, para minimizar os possíveis problemas causados pela má administração de um projeto e da equipe envolvida ou por imprevistos técnicos ou pessoais.

Exemplos de situações delicadas[editar | editar código-fonte]

  • Você trabalha para uma agência de tradução e acaba descobrindo o contato do cliente final, uma empresa grande. Fica tentado a entrar em contato diretamente com a empresa para se livrar do intermediário.

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  • Você tem alguma discussão com o cliente, seja em relação ao pagamento ou outro aspecto do processo de trabalho. Irritado, você se sente tentado a "desabafar" em alguma rede social ou blog, em busca de solidariedade.

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  • Você se depara com uma tradução muito ruim e sente o impulso de caçoar publicamente - p.ex., em redes sociais ou blog - desse serviço ruim.

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Referências[editar | editar código-fonte]

A dimensão ética da tradução, Eduardo Ferreira, Rascunho (HTML)

Código de ética do tradutor, Sindicato Nacional dos Tradutores, 1991 (PDF)

Código de ética, Associação Profissional dos Tradutores Públicos e Intérpretes Comerciais do Estado de São Paulo – ATPIESP, 2007 (HTML)

Código de ética profissional, Associação dos Tradutores Públicos e Intérpretes Profissionais do Rio de Janeiro - ATPRIO, 1992 (PDF)

Código de conduta ética dos TILS, Federação Brasileira das Associações dos Profissionais Tradutores e Intérpretes e Guias-intérpretes de Línguas de Sinais – FEBRAPILS, 2011 (HTML)