Procedimentos técnicos da tradução, de Heloisa Gonçalves Barbosa

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Referência[editar | editar código-fonte]

BARBOSA, Heloísa Gonçalves. Procedimentos técnicos da tradução: Uma nova proposta. Campinas: Pontes, 1990.

Introdução[editar | editar código-fonte]

A autora, baseando-se na própria experiência como tradutora e professora na área de tradução e na leitura da literatura disponível sobre o assunto, busca determinar os procedimentos usados pelo tradutor frente aos problemas encontrados durante o processo tradutório. Após um breve capítulo introdutório, o segundo capítulo apresenta uma análise geral de obras anteriores sobre os procedimentos técnicos da tradução, tomando como base o trabalho de Vinay e Darbelnet, os primeiros a tentar descrever tais procedimentos, em 1958 (a autora usa a edição revista e corrigida de 1977). Heloísa Barbosa analisa ainda os estudos de Nida (1964), Catford (1965), Vázquez-Ayora (1977) e Newmark (1981, 1988). Tendo encontrado muitas discrepâncias entre os autores estudados, envolvendo divergências e sobreposições na terminologia e nas maneiras de separar os procedimentos descritos, a autora apresenta novas propostas para sua caracterização e categorização. Assim, no terceiro capítulo encontram-se descritos e definidos os procedimentos conforme a visão da autora e no quarto são apresentadas duas tentativas de recategorizá-los: a primeira de acordo com a frequência com que ocorrem na tradução, proposta abandonada por falta de subsídios na literatura disponível, e a segunda de acordo com o grau de divergência entre língua original e língua da tradução, considerada mais adequada pela autora. O quinto capítulo é uma breve conclusão do trabalho. Ao contrário dos autores citados por Barbosa, que dividiam os procedimentos técnicos da tradução ao longo de dois grandes eixos opostos, o da tradução literal e o da tradução não-literal — embora com diferentes nomenclaturas para tais eixos —, a autora categoriza-os de acordo com o grau de divergência entre a língua original e a língua da tradução, distribuindo-os ao longo de quatro eixos: 1) convergência do sistema linguístico, da realidade extralinguística e do estilo; 2) divergência do sistema linguístico; 3) divergência do estilo e 4) divergência da realidade extralinguística.

Convergência do sistema linguístico, da realidade extralinguística e do estilo[editar | editar código-fonte]

Segundo a autora, quando houver tal convergência entre duas línguas, o tradutor poderá lançar mão de dois procedimentos: a tradução palavra-por-palavra e a tradução literal.

A tradução palavra-por-palavra[editar | editar código-fonte]

Este procedimento é definido por Catford (1965), Newmark (1988) e Aubert (1987). Segundo a definição deste último, utilizada por Heloísa Barbosa, é

a tradução em que determinado segmento textual (palavra, frase, oração) é expresso na LT mantendo-se as mesmas categorias numa mesma ordem sintática, utilizando vocábulos cujo semanticismo seja (aproximativamente) idêntico ao dos vocábulos correspondentes no TLO, por exemplo:
he wrote a letter to the mayor
ele escreveu uma carta para o prefeito (apud Barbosa, 1990, p. 64-65)

A tradução literal[editar | editar código-fonte]

Todos os autores estudados por Heloísa Barbosa definem este procedimento. Novamente segundo Aubert (1987), tradução literal é “aquela em que se mantém uma fidelidade semântica estrita, adequando porém a morfo-sintaxe [sic] às normas gramaticais da LT”. Um dos exemplos dados por ele é o seguinte:

it is a known fact

 é  fato conhecido (apud Barbosa, 1990, p. 65)

Vários autores parecem repudiar a tradução literal, em especial Vàzquez-Ayora (1977), para quem esta seria a fonte de todos os erros na tradução. No entanto, conforme Aubert (1987) e Newmark (1988), ela pode ser necessária, como em certas edições bilíngues que têm por objetivo a comparação com o texto original, ou até obrigatória, como na tradução de certos documentos.

Divergência do sistema linguístico[editar | editar código-fonte]

Havendo divergências relacionadas às organizações diversas dos sistemas linguísticos envolvidos na tradução, ao nível lexical, morfológico ou sintático, ou às diversas maneiras como cada sistema divide e analisa as experiências da realidade extralinguística, o tradutor pode usar três procedimentos: transposição, modulação e equivalência.

A transposição[editar | editar código-fonte]

Este procedimento é definido por Vinay e Darbelnet (1977), Vàzquez-Ayora (1977), Newmark (1988) e Catford (1965). A transposição ocorre quando um significado expresso no texto original por um significante de uma categoria gramatical passa a ser expresso no texto traduzido por um significante de outra categoria gramatical, sem que seja alterada a mensagem original. A transposição pode ser obrigatória ou facultativa, conforme os exemplos abaixo, citados por Vinay e Darbelnet (1977):

Situation still critical (still – advérbio)
La situation reste critique (reste – verbo)
des son lever (lever – substantivo)
as soon as he gets up (gets – verbo) (apud Barbosa, 1990, p. 28)

No primeiro exemplo, a transposição é facultativa, pois haveria outras possibilidades de tradução como, por exemplo, La situation est toujours critique; no segundo, porém, é obrigatória, uma vez que não há outra construção equivalente em inglês mais próxima do original francês.

A modulação[editar | editar código-fonte]

Procedimento definido por Vinay e Darbelnet (1977), Vàzquez-Ayora (1977) e Newmark (1981, 1988), a modulação consiste em reproduzir a mensagem original na tradução sob um ponto de vista diverso, refletindo uma diferença na maneira como as línguas interpretam a realidade:

Like the back of my hand
Como a palma da minha mão
It is easy to demonstrate
Não é difícil demonstrar

No primeiro exemplo a modulação é obrigatória, enquanto no segundo é facultativa, refletindo então uma diferença de estilo, aspecto abordado por Vinay e Darbelnet (1977).

A equivalência[editar | editar código-fonte]

Definida por Vinay e Darbelnet (1977), Vàzquez-Ayora (1977) e Newmark (1988), a equivalência consiste em substituir um segmento do texto original por outro que não o traduz literalmente, mas lhe é funcionalmente equivalente. É aplicado a elementos cristalizados da língua, como clichês, expressões idiomáticas, provérbios, ditos populares etc.

God bless you! / Gesundheit!
Saúde! / Deus te crie!
Truly yours / Sincerely yours
Atenciosamente
It’s a piece of cake.
É sopa.

Newmark (1988) considera como procedimentos independentes o equivalente cultural, o equivalente funcional e o equivalente descritivo, englobados por Heloísa Barbosa em equivalência.

Divergência do estilo[editar | editar código-fonte]

Para lidar com as divergências de estilo, a autora aponta quatro procedimentos: omissão/explicitação, compensação, reconstrução de períodos e melhorias.

A omissão vs. a explicitação[editar | editar código-fonte]

Estes procedimentos foram definidos por Vàzquez-Ayora (1977). A omissão consiste em cortar elementos do TLO desnecessários ou excessivamente repetitivos do ponto de vista da LT. É usada na tradução do inglês para o português em relação aos pronomes pessoais, muitas vezes dispensáveis no português devido às desinências verbais que deixam clara a pessoa do verbo. Assim, evita-se uma repetição excessiva prejudicial no texto traduzido. Na tradução do português para o inglês seria necessária a explicitação do pronome, já que sua presença é obrigatória no inglês.

A compensação[editar | editar código-fonte]

A compensação foi examinada por Nida (1964), Vàzquez-Ayora (1977) e Newmark (1981, 1988). Ocorre quando um recurso estilístico do TLO não pode ser reproduzido no mesmo ponto no TLT e o tradutor usa um outro, de efeito equivalente, em outro ponto do texto. Pode ser usado com trocadilhos, por exemplo, quando estes não puderem ser efetuados com o mesmo grupo de palavras; dessa forma, o texto fica equilibrado estilisticamente. Vàzquez-Ayora (1977) fornece o seguinte exemplo de compensação:

As they drove by a girl dove into the bright green water and her body sliced through the tank. Cuando pasaban por allí una muchacha se tiró al agua y su cuerpo cortó la masa azul del estanque reluciente.

Percebe-se que a compensação inclui a aplicação de outros procedimentos (no exemplo, vemos casos de tradução literal, modulações, etc.), além de mudanças de ordem de palavras e outros ajustes, demonstrando assim que os procedimentos muitas vezes se sobrepõem, como já apontavam Vinay e Darbelnet (apud Barbosa, 1990, p. 30-31).

A reconstrução de períodos[editar | editar código-fonte]

Descrito por Newmark (1981), este procedimento consiste na redivisão ou reagrupamento das orações e períodos do original na tradução. Segundo Heloísa Barbosa, “na tradução do português para o inglês é muitas vezes necessário distribuir as orações complexas do português em períodos mais curtos em inglês. Na tradução do inglês para o português ocorre o inverso”. (Barbosa, 1990, p. 70)

Abaixo, em 2.3.3.4, pode-se ver um exemplo de reconstrução.

As melhorias[editar | editar código-fonte]

Este procedimento foi descrito por Newmark (1981) e consiste em não repetir na tradução erros cometidos na TLO. Heloísa Barbosa cita como exemplo suas traduções para o inglês de relatórios de bolsistas de uma instituição beneficente, nas quais ela corrige vários tipos de erro, como no exemplo abaixo:

O trabalho será desenvolvido em 04 etapas a 1.º etapa do trabalho consta da sensibilização dos professores, nesta etapa cada grupo apresenta relize de seus trabalho que serão discutidos em reunião com todas às diretoras e professores de educação artística, comunicação e expressão e Estudos Sociais. (sic)
The work will be developed in four stages. The first is to make teachers aware of the issues. At this stage each group will present an oral summary of their work to be debated at meetings with the school principals, and art, language, and social studies teachers. (Farias, 1988 apud Barbosa, 1990, p. 71)

Divergência da realidade extralinguística[editar | editar código-fonte]

Neste caso mais extremo de divergência entre LO e LT, o tradutor pode ter que introduzir no TLT itens lexicais da LO, acompanhado ou não de uma explicação, ou utilizar uma explicação sem o item lexical da LO.

A transferência[editar | editar código-fonte]

Consiste na introdução de material textual da LO na LT. A denominação de “transferência” para este procedimento era a preferida por Newmark (1988). Pode assumir as formas abaixo descritas:

a) estrangeirismo: transferência ou cópia de vocábulos ou expressões do TLO referentes a um conceito, técnica ou objeto desconhecido para os falantes da LT. O vocábulo deverá ser colocado entre aspas, em itálico ou sublinhado. Vinay e Darbelnet (1977) chamam este procedimento de “empréstimo”, o que poderia causar alguma confusão com outras acepções deste termo utilizadas na Linguística.

b) estrangeirismo transliterado (transliteração): substituição de uma convenção gráfica por outra, em casos de extrema divergência entre duas línguas, quando estas não usarem nem sequer o mesmo alfabeto. É o caso de glasnost, transliteração do alfabeto cirílico para o romano.

c) estrangeirismo aclimatado (aclimatação): processo pelo qual os empréstimos são adaptados à língua que os toma. É também denominado “decalque”. Como procedimento tradutório, consistiria na realização pelo próprio tradutor das transformações a que o empréstimo estaria sujeito durante o uso pelos falantes da LT. A autora, observando que em seu trabalho de tradutora e professora de tradução nunca teve a oportunidade de realizar este procedimento, conclui que “o tradutor raramente o realiza: normalmente só depois que uma palavra é tomada de empréstimo pelo conjunto de falantes de uma língua é que passará pelo processo de aclimatação”. (Barbosa, 1990, p. 74)

d) estrangeirismo + explicação: se o contexto do TLO não for suficiente para que o leitor apreenda o significado de um estrangeirismo, o tradutor pode acrescentar uma explicação sob a forma de notas (de rodapé, no final do capítulo ou em glossário no final do livro) ou diluída no texto (entre vírgulas, entre travessões, entre parênteses ou entre aspas):

SAT, Scholastic Aptitude Test, exame de avaliação a que se submetem estudantes norte-americanos... Night School (o Supletivo americano)... Surgeon General — Ministro da Saúde — … Wall Street, o mercado financeiro de Nova York,…

A explicação[editar | editar código-fonte]

Os estrangeirismos podem ser suprimidos no TLT e substituídos pela sua explicação, caso seja necessário, como numa peça teatral, por exemplo, por uma questão de ritmo cênico. Os exemplos dados no item d de 3.4.1 acima podem ser repetidos aqui, omitindo-se o estrangeirismo.


O decalque[editar | editar código-fonte]

O decalque, segundo a autora, consistiria na tradução literal de sintagmas ou tipos frasais da LO no LT.

task force força tarefa
textbook livro texto
People’s Republic of China República Popular da China (Barbosa, 1990, p. 76)

A adaptação[editar | editar código-fonte]

Este procedimento, descrito por Vinay e Darbelnet (1977) e por Vàzquez-Ayora (1977) e comentado por Newmark (1988), é para Heloísa Barbosa “o limite extremo da tradução: aplica-se em casos onde a situação toda a que se refere a TLO não existe na realidade extralinguística dos falantes da LT. Esta situação pode ser recriada por uma outra equivalente na realidade extralinguística da LT”. (Barbosa, 1990, p. 76) Um bom exemplo oferecido por Vinay e Darbelnet (1977) que a autora cita é o seguinte:

he kissed his daughter on the mouth
il serra tendrement sa fille dans ses bras (apud Barbosa, 1990, p. 76)

Como comenta Heloísa Barbosa, o “anglo-saxônico beijo que o pai dá à filha na boca é substituído por um terno abraço em francês, já que na cultura dos povos falantes deste segundo idioma não existe o primeiro comportamento”. (Barbosa, 1990, p. 76)